NOEL GUARANY: UM PRECURSOR DO VIOLÃO MISSIONEIRO NO RIO GRANDE DO SUL
JAIR GONÇALVES – JG Music Hall Escola de Música e
Lutheria – 23/04/2021.
O
mundo acadêmico é unânime em valorizar a pesquisa, a dedicação e o esmero no
campo da ciência. Em tempos de improváveis análises de mundo, principalmente, pensando
o viés da sociedade e seus rumos políticos, a cegueira só se cura através do
olhar da ciência, da pesquisa, da argumentação fundamentada, ou seja, daquilo
que é feito sobre o manto sagrado da epistemologia científica.
Em
2019, buscando estes aportes procurei (sobre a luz da musicologia e da pesquisa
documental discográfica) compreender obra musical de Noel Guarany e, através
dela, as contribuições pedagógicas trazidas para o campo do Violão Gaúcho, na
tentativa de colocar o compositor como um dos precursores e pioneiros neste
estilo violonístico no Rio Grande do Sul. Para tanto defendi uma monografia na
UFSM, intitulada “CONTEXTOS DO VIOLÃO MISSIONEIRO A PARTIR DE TRANSCRIÇÕES
MUSICAIS DE NOEL GUARANY”. A ideia principal da pesquisa foi escutar a
discografia e transcrever os violões para partitura e tablatura, possibilitando
análises musicais e produção de um material pedagógico acerca dessa guitarra
crioula defendida pelas mãos e intuição do compositor referido.
Partindo
desse objetivo principal, percebi a importância de Noel Guarany não só como um
dos principais colaboradores para o estilo do violão gaúcho, mas como o
principal criador de uma ideologia artística que foi reconhecida posteriormente
com Música Missioneira do Rio Grande do Sul, ou movimento da Música Missioneira
como foi defendida neste território. Embora alguns folcloristas acreditem que o
tema seja controverso, no território deste estado Noel Guarany foi o pioneiro na
defesa da ideia de Musicalidade Missioneira, ou seja, o criador deste movimento
que em seguida se reforça com a chegada de outros defensores. Daí então o
surgimento de outras denominações para o movimento com a formação de um time os
“Troncos Missioneiros”, que se identificam como “Noel Guarany” (o criador),
Cenair Maicá, Jaime Caetano Braun e Pedro Ortaça.
É
salutar que se perceba que os estudos que realizo buscam compreender o Violão
Gaúcho pensando identificar aqueles compositores, violonistas e artistas que de
alguma forma trouxeram contribuições para o instrumento por meio de sua obra
musical. Destarte, ao transcrever parte da discografia de Noel Guarany, percebi
que existem elementos musicais relevantes para desenvolvimento da performance
violonística característica do estilo.
Tais descobertas se devem às
análises musicais que estão na pesquisa, através das quais foi possível
identificar elementos idiomáticos do violão tais como técnica, composição,
influências estilístico-musicais utilizadas nas composições do autor, sendo
possível identificar por meio delas, as contribuições trazidas para a
Musicalidade Missioneira e para o campo da performance e pedagogia musical.
Uma das minhas preocupações
(como violonista e professor) sempre foram com a questão pedagógica em torno do
ensino do instrumento cordófone referido. Sempre procurei defender a ideia de que a
música gaúcha carece de materiais e registros em termos de uma escrita musical
oficial (partituras, tablaturas) para que essa musicalidade possa ter um
alcance universal mais amplo, ou seja, adentrar academias de música, escolas,
instituições sérias de ensino de música no mundo. Entretanto, aqui não se tem
uma cultura da escrita musical, o que é diferente na região sudeste do país,
por exemplo, ao verificar um grande número de editoração de músicas do gênero do
choro por exemplo. Existem inúmeros livros, coletâneas em partitura do referido
estilo, enquanto que a música gaúcha, e, principalmente o violão gaúcho tem
raríssimos exemplos de material pedagógico para ser estudado.
Neste sentido, percebi que
ao escrever a música de violão de Noel Guarany não só cumprimos um papel de
reconhecimento ao artista, como também identificamos as contribuições e
pioneirismo do compositor em questões do instrumento violão. Uma vez que a
música gaúcha carece de escrita oficial, também se buscou colaborar com a
divulgação desta música por meio desses registros oficiais.
CONTEXTUALIZANDO
O VIOLÃO GAÚCHO
É necessário fazer uma organização das ideias
para o tópico em questão. Desde o início esclarecer o leitor de que o contexto
do qual se refere esta pesquisa é o do “Violão Gaúcho”, ou seja, um gênero de
música instrumental de violão executado no estado do Rio Grande do Sul /
Brasil. Elucidar, destarte, que tal gênero possui nomenclaturas conhecidas como
“Violão Campeiro” na região serrana do RS, e ainda o “Violão Pampeano” na
região fronteiriça, cujo estilo, possui influências da região da pampa
Argentina, tais como o chamamé, a chacarera e o tango. Além destes estilos,
considerou-se neste estudo a possibilidade de existência de outra nomenclatura,
o “Violão Missioneiro”, oriundo da região missioneira do RS.
O
VIOLÃO DE NOEL GUARANY
Em todos os discos, o violão
é o principal instrumento. É sabido que aprendeu tocar de modo autodidata.
Tocava com a “dedeira”, cantando e se acompanhando em performances musicais
solo ao violão. Viajava pela América Latina para aprender tocar, bem como, para
divulgar sua música e a arte missioneira. Criou uma obra musical partindo da
necessidade de revelar ao público sua identidade cultural, bem como, fazer
resgates de temas históricos da região missioneira do RS. Suas influências musicais
residiam no toque Atahualpa Yupanqui, Jorge Cafrune. Segundo Neidi Fabrício
“ele estudava muito. Tinha épocas que amanhecia estudando. Dizia que para tocar
violão tinha que ter muita dedicação. Seu grande inspirador foi sem dúvida
Osvaldo Souza Cordeiro. E outros como Yupanqui”. Noel contribui com a
aclimatação aqui no estado de ritmos como a Chamarrita, milonga entre outros. A
maior expressividade criativa está nas introduções de violão que compunha, onde
explorava inúmeras técnicas oriundas do campo performático do violão.
As principais
características dessa “guitarreada” no estilo “Missioneiro” de Noel Guarany
contemplam muitos elementos, tais como: 1º Arpejamento
de acordes; 2º – Técnicas de
dedilhado flamenco, 3º – Utilização
de solos melódicos em 6ª; 4º -
Solos com dedilhação mista (segurando pestana e solando com os dedos 2, 3 e 4);
5º - Utilização de Alzapua (técnica
do polegar no flamenco), 6º - Utilização
de Ostinatos na primeira corda Integrando o arranjo melódico. 7º - Quiálteras
inusitadas; 8° - Supressão de tempos
do compasso (para ódio dos pragmáticos!)
Para melhor compreensão dos
elementos recomendarei a leitura do trabalho completo que se encontra no link (PDF) CONTEXTOS DO VIOLAO MISSIONEIRO A_PARTIR DE
TRANSCRICOES MUSICAIS DE NOEL GUARANY - JAIR_GONCALVES_2019.pdf | Jair
Gonçalves - Academia.edu. Cujo texto já se
encontra disponível para leitura.
Ademais,
encerro este curto texto dizendo que Noel Guarany é o grande divisor de águas
da música no Rio Grande do Sul, pois como se pesquisou, a música introspectiva
só tem um caminho depois dele aqui no RS, pois instigou a escuta de uma música
temática de amplos sentidos. O violão inserido na música popular gaúcha
do RS, com certeza tem em Noel Guarany um dos seus grandes expoentes. É
possível falar que a música hoje intitulada Missioneira deve muito ao trabalho
deste compositor, quando não, a música Nativista pode ser fruto destes
pensamentos por busca de identidade, história e aspectos mais profundos das
questões sociais que dizem respeito ao índio, o peão, os sem vozes da
sociedade.
Muitos são fãs de Noel
Guarany de modo que nem compreendem a profundidade de sua obra. Até defendem
princípios contrários aos que o compositor defendia, ou seja, estão do lado dos
opressores do povo. Deveriam repensar seu gosto, ou melhor, seus princípios...
ou mudam o gosto ou os princípios.
Bom....
Não é qualquer artista que desafia seu público
(mesmo estando em outro plano da existência). Continuam os desafios para a
compreensão de tão rica obra no presente
e nos tempos vindouros. Noel Guarany está vivo! Caminha entre nós, dedilhando
sua guitarra crioula nas pulperias, nos pagos, nas paisagens deste largo campo
da existência. Se manifesta no olhar triste do índio oprimido pela sociedade
vil que o despreza e que, entretanto, usufrui de seus legados históricos
herdados. O Nheçu da guitarra cabocla, o
saudoso Noel Guarany continua nestes peregrinos caminhos da pampa sulina sendo
vertente e fonte para inspiração de tantos. É merecedor de reconhecimento
eterno. Muito obrigado Noel Guarany, por nos ensinar tanto sobre nós mesmos.
Jair Gonçalves / Prof. Mestre em Música pela UFSM
IJUÍ, 23/04/2021