quinta-feira, 22 de julho de 2021

RELIGIÃO E O BOLSONARISMO – A QUESTÃO DOS ARREPENDIDOS. NÃO PODERÃO SER POSSÍVEIS ALIADOS?

 Caros!

 Conversei com um amigo de longa trajetória política, e gostaria de compartilhar ideias, que talvez contribuam com o debate. São percepções que ele teve ao participar de uma das nossas manifestações.

Este amigo ponderou inicialmente dando os parabéns ao movimento dizendo que o caminho é por aí, que a rua tem um poder muito grande, destacando a importância de sermos um grupo organizado neste formato de movimento livre manifestante (com) ou sem envolvimento partidário partindo da sociedade civil organizada, e de um público mais ou menos jovem o que é de fato revolucionário.   

Teceu algumas críticas, com relação às intervenções que debatiam, por exemplo, os religiosos e seu envolvimento com bolsonarismo, observando que nós utilizamos muito um discurso de repulsão, com uma tendência até do menosprezo a estes cidadãos (obviamente por que estamos com raiva dessa gente), pois se dizem “gente de Deus” ao passo que, contraditoriamente, distorcem princípios éticos ao inclinarem-se ao movimento bolsonarista. Raiva que se agrava ao observar como, por meio de delírios, essas pessoas se contradizem distorcendo suas crenças e a dita palavra de Deus, e que, fundamentando-se em inverdades oriundas de interpretações bíblicas distorcidas, e todo tipo de provérbios, mergulham em um mar quântico de hipocrisias.

Ponderou ainda, que marcou muito para ele a forma com que muitos assuntos foram abordados, sendo que em algumas falas pareciam mais querer demarcar o lugar e a posição de um determinado território ideológico.  Por exemplo, a ideia de uma afirmação de que nós estamos aqui e somos contra a postura dos evangélicos, e repudiamos os evangélicos e as pessoas religiosas que se dizem de bem e defendem o inominável em nome de Deus, um “Deus de justiça”, do qual se pode perguntar: que justiça?

Mas ao mesmo tempo, ponderou que no dia do movimento havia conversado com uma pessoa que era desse grupo de evangélicos, e que estava lá, dizendo que tinha se arrependido por apoiar o inominável no início de seu governo, mas que estava ali justamente para colaborar e reparar certos danos de suas atitudes. Comentava também que talvez pudesse ajudar de alguma forma com que mais pessoas se arrependessem e se colocassem no caminho de uma luta contra o bolsonarismo enfadonho e essa política genocida atual.

A prosa me fez pensar  realmente que abordar o tema "religião", é algo bem delicado pois a grande maioria das pessoas que se envolvem com religião, são pessoas humildes, trabalhadoras que, por vezes, a única atividade social que têm é participar da igreja, de um grupo de jovens, fazer uma escuta fiel ouvindo o pastor e que, para muitos, talvez a palavra desses formadores de opinião (os pastores, padres, presbíteros) toma grande dimensão em suas vidas. Muito do que são e pensam essas pessoas, provém da influência da palavra dos pastores, padres ou presbíteros pois esse público muitas vezes não consegue formular um pensamento, uma argumentação. Há muita gente assim, infelizmente.

Este público é formado na grande maioria por pessoas fragilizadas psicologicamente por problemas de todo tipo e, destarte, se direcionam para o caminho da fé nas igrejas para buscar refúgio, guarida, suporte emocional e espiritual. Sabe-se também que há casos em que muitos buscam fugir do mundo do crime tentando mudar suas vidas nos caminhos religiosos, como foi o caso, por exemplo, da tal de Hello Kitty, a mulher traficante que foi morta pela polícia no Rio. Viram  aquela notícia?

Daí então uma das ponderações de nossa conversa foi que, dependendo o modo como falarmos nos eventos (ao abordar o assunto religião) poderemos afastar possíveis aliados, arrependidos e indecisos que talvez possam estar dispostos a se mobilizarem para o lado do movimento.

E sabe caros hermanos, refleti à respeito e penso que ele pode estar certo. Por que não tentarmos trazer para perto esta gente que esta ali em cima do muro, fazendo-lhes perceber por meio da retórica e o tom mais brando, talvez pensando uma abordagem conciliadora que busque aproximações com vistas a fortalecer a luta e o grupo? 

Despertado pelo diálogo, logo uma fruição artística do passado me trouxe memórias de um trecho musical do Raul Seixas, cuja letra diz:



                “Nunca se vence uma guerra lutando sozinho,  
                 Você sabe que a gente precisa entrar em contato
                 Com toda essa força contida e vive guardada
                 o eco de suas palavras não repercutem em nada!
                 É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro ,
                 evitar o aperto de mão de um possível aliado!

Então nessas oportunidades  penso que como movimento, é importante marcarmos posição sim, sendo contra determinadas posturas, conquanto, podemos pensar em como (nos discursos) pode-se propor que essas pessoas se unam a nós. Talvez partindo da seguinte indagação: “o que, ou quais argumentos podem fazer com que eles se aproximem e não se afastem ainda mais?” 


    Enfim, quero compartilhar com vocês dúvidas que surgiram a partir de uma conversa com um amigo. Por um lado, me consolo com esta frase de Orson Welles: 

"É preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si." 

Por outro, tenho uma suspeita que só a abertura ao diálogo poderá fazer nosso movimento ganhar o coração das pessoas que, por continuar pensando, podem mudar de opinião.



Jair Gonçalves  
07/2021