domingo, 19 de novembro de 2023

MEIA PALAVRA BASTA! NÃO OBSTANTE – SIEMPRE HAY IGNORANCIA

(textículo irônico/crônico)
Por Jair Gonçalves


ATO I


Chamo-me Andrei. O sobrenome não importa, pois não tenho nome de família.

Vou contar um fato.

Talvez umas mentiras.

Às vezes é bom, pois como cantava Noel Guarany às vezes se “mata com raiva gostosa”. Antes que se mate alguém melhor desabafar em crônica irônica não é mesmo?

Então lhes conto que no início de 2021, lembro-me de uma conversa que tive com um amigo meu. O Zé professor de artes e músico. Ele sempre muito crítico por sinal, politizado, inteligente, cheio de talentos musicais, artesanais. Um cara muito retórico e correto aqui da cidade.

Encontrei-o no centro da cidade, em frente a uma instituição uma espécie de igreja. Fazia anos que não falava com ele e estávamos usando máscara, por que era o tempo difícil da pandemia. Começamos a falar da conjuntura política nacional. Com jeito preocupado comentara que passava dificuldades no trabalho e pra piorar veio a pandemia... As aulas de música pararam. Os eventos pararam. Tudo preocupava. Em meio ao um assunto que envolvia ensino de música Zé dispara:

“NA DÉCADA DE 60 (auge da ditadura), o Ensino de Música a ser dirigido por um especialista foi trocado por EDUCAÇÃO ARTÍSTICA para que um professor desta área fosse encarregado de ensinar todas as artes”.


Zé dizia:

“Uma lástima”, pois, era notória que não se queria MÚSICA de qualidade nem Arte crítica na escola (por motivos do apagão cultural, esvaziamento da argumentação e senso crítico do povão pela ditadura), coisa de governos mal intencionados, enganosos, tiranos e ditadores. A arte, o pensar sempre foi um perigo, já ouviu a canção Pajador Perseguido”. Destarte engatou Zé um canto:

“No sé si mi canto es lindo O si saldrá medio triste - Nunca fui zorzal, ni existe Plumaje más ordinário - Yo soy pájaro corsario Que no conoce el alpiste!

El cantor debe ser libre / Pa desarrollar su ciência / Sin buscar la convenencia
Ni alistarse con padrinos / De esos oscuros caminos / Yo ya tengo la experiencia

Yo canto, por ser antiguos Cantos que ya son eternos / Y hasta parecen modernos

Por lo que en ellos vichamos / Con el canto nos tapamos / Para entibiar los inviernos

Yo no canto a los tiranos / Ni por orden del patrón / El pillo y el trapalón
Que se arreglen por su lado / Con payadores comprados / Y cantores de salón [1]


E continuava:

"Hoje temos (em certa ci-da-de-zi-nha) um fenômeno parecido relacionado aos educadores. Os musicais. Ou seja, artistas especialistas, com honras acadêmicas meritocráticos assistem estarrecidos mirabolantes manobras (políticas quem sabe) que empoderam praticantes de fim de semana no ofício de "pensar", "coordenar", "promulgar" leis, ‘formar’ alunos, ensinar música, coordenar processos educativo musicais. Com muitíssimo despeito ao mérito, surgiu a marginalização do profissional Educador Musical”.

Ouvindo isto, entendi que era caso do ZÉ RIBEIRO... Na parceria, continuei escutando.

Zé seguia irônico e com conhecimento de causa:

“Outro dia, me contou um especialista, que foi testemunha de uma Educação Musical (numa cidadela provinciana) sendo realizada com princípios Medievais. Uma educação musical com ares do tempo medieval (em que se evitava a quarta aumentada – ‘diabulus in música’, podando-se a criatividade para controlar os sentimentos dos fieis). Nesse tempo medieval o controle era sacrossanto, com todos aqueles dogmas e controles. O sentido da Educação Musical se voltava apenas para cantos Litúrgicos, visando “louvar a Deus” (num tempo em que se entendia Deus tal qual um ‘Deus Santo’ e cheio de preconceitos, usado a guisa de poder e controle social, bem como, encher cofres institucionais, enganar pobres e humildes camponeses por meio de ‘santos’ dízimos”.

Neste momento me dei por conta que estávamos sentados bem em frente a um templo da cidadela. E Zé seguia firme a narrativa:

“Ta doido pobres crianças, pobres Mestres que são obrigados a trabalhar com gente assim! Ainda mais... Na tal de “escola laica” (como se diz na lei) ao ver o impulso desta musicalidade louca como poderia ser enunciada tal heresia?"

Falava Zé balançando a cabeça em contrariedade... Segui escutando...

Zé com rebeldia de sempre explodia:


“O pior não é isto caríssimo Andrei..... Na minha TAL cidadezinha disseram assim na véspera de eleição: ‘ESSE NEGÓCIO DE EMPODERAR GENTE QUE NÃO SABE NADA - CARGO POLÍTICO - NO MEU GOVERNO VAI ACABAR! A NOMEAÇÃO PARA CARGOS DO MEU GOVERNO VAI SER “PURAMENTE BASEADA EM FORMAÇÃO”. SÓ VAI HAVER CONTRATAÇÃO DE "PESSOAS QUALIFICADAS"... VAI SER UM GOVERNO "PURAMENTE TÉCNICO" SEGUINDO CRITÉRIOS CORRETOS E SÉRIOS! “VAMOS ACABAR COM A PALHAÇADA!’ repetia o futuro algoz do povo da TAL cidadezinha”.

Em frente ao local em que estávamos conversando, ZÉ faz ecoar uma aterrorizante gargalhada!


ATO II

E tínhamos que sair logo dali, pois parecia que ia começar uma missa, um encontro ou um RITO... Não sabíamos ao certo se o lugar em que estávamos conversando no momento era uma igreja ou um templo... Havia ali duas colunas na frente... Então achamos que se tratava de uma igreja dessas com arquitetura medieval. Foi muito estranho, pois naquele momento reparamos que no outro lado da rua passavam bodes cuja pelagem era preta... Zé sorria e dizia que era bom terminar nosso assunto logo...

Uma terceira cena dentro da segunda cena, por curiosidade aconteceu exatamente naquele momento. Parecia que alguém tinha enfeitiçado o ar com alucinações...

Paramos para tomar umas cuias de mate... Cada um com o seu por sinal, igual na Argentina o fazem...


ATO III

Observamos um rico mármore ostentado na arquitetura daquela “igreja” ou “templo de pobres”. Logo em seguida aparece uma criança, uma “bugrinha” dessas famílias de índios que perambulam por aí. Parou bem em frente à porta da instituição oferecendo uns cestinhos e umas cruzes. Era época de Natal, o mês da “Fraternidade”.

Zé me chamou a atenção para observar.

Naquele exato e irônico momento, um homem vestido de terno preto, usando um avental enfeitado (achamos que era o cozinheiro) apontou o dedo para o outro lado da rua, em direção à um beco próximo... A indiazinha saiu correndo assustada até que desapareceu numa esquina onde lhe aguardavam seus irmãos. Ouvimos um grande estrondo... era a enorme porta do templo se fechando...

Zé, com seu olhar aguçado e observador, achou algo engraçado e curioso. Comentou que naquela “igreja” só tinha entrado homens”. Ficamos perplexos. No exato momento a manada de bodes pretos começou berrar num terreno atrás da igreja. O dono dos bichos estava tratando os animais... O mais engraçado tudo aquilo acontecendo bem no centro da TAL cidadezinha...


ATO I - Retornando ao.


Em seguida, a cuia de mate roncou...

ZÉ se lembrou do tema que estava conversando antes da subcena da bugrinha, a indiazinha guarani... “Era o que mesmo?”

Ah! É mesmo....

Lembramos...

Era sobre a fala do candidato a prefeito da Tal cidadezinha... Por sinal era ele o mesmo cara do avental (o cozinheiro) que expulsou a indiazinha da porta daquela igreja das colunas medievais... Zé lembrou então a fala a mim:

“Andrei, o pseudo candidato (da porta do templo) falava assim ‘MEU GOVERNO VAI SER UM GOVERNO PURAMENTE TÉCNICO SEGUINDO CRITÉRIOS CORRETOS E SÉRIOS! VAMOS ACABAR COM A PALHAÇADA!

Bom... o olhar de Zé - para que todos saibam - era puramente sarcástico, pois como argumentou:

“A tal ‘técnica’ foi trocada pelo absentismo da VERDADE!

Tal como sempre!!! Não me sai da memória”. Disse ele.

Foi o fim da nossa prosa. Encerramos a conversa, cumprimentamos um ao outro em seguida cada um foi para seu rancho, cuidar da sua vida.


ATO IV


Ontem fiquei sabendo que Zé tinha ido embora fazia uns três anos...

Fiquei me lembrando, tentando entender por que tinha ele tomado tal atitude. Lembro de que em tantas conversas reclamava da política na sua TAL cidadezinha.... Vivia dizendo que não aguentava mais tanta hipocrisia, falta de valorização dos verdadeiros profissionais, políticos mentirosos, pseudo-intelectuais, falsidade, oportunismo, perseguição ao servidor público, gente se empoderando do trabalho e ideias dos outros como se fosse seus! Gente “de Deus” para piorar a situação. Ir embora, com um propósito de ser feliz, tomar novos ares, foi a resposta dele pras tamanhas tacanhices de sua terra natal... Zé vivia abordando o provérbio “santo de casa não faz milagre, apenas reza a missa pro padre tomar vinho!. Filha da p....”

Lembro-me da gargalhada que ele produzia pós provérbio.


ATO V

Quando fiquei sabendo que passou no Doutorado em Violão na Espanha, fiquei feliz por ele. Sou desses amigos que sabe reconhecer o sucesso e esforço do outro. Não sinto inveja de talento sabe... Mérito é mérito... Aquilo que se consegue com esmero, estudo e pesquisa. Sabedoria que se adquire na labuta do baixar a cabeça e estudar, criar calo na bunda por horas a fio no ato de ler, escrever, reescrever, criar compor, pensar, refletir, raciocinar... E depois de dez minutos repetir tudo de novo sem achar aquilo um exagero! Pensar é esporte... Não é preguiça!

Ontem mesmo mandei um “zap” pra ele. Disse então eu a ele - Parabéns Zé, tua luta valeu a pena. Teu reconhecimento tão sonhado chegou. E é verdade Zé: Santo de Casa não faz milagre... Não vale a pena jogar perolas aos porcos... Em fim... Tu venceste... Diga adeus agora àqueles fantasmas que te atormentavam na tua TAL cidadezinha natal... Bamo que bamo, na humildade do Hip Hop... Eles passarão, nós passarinho... Como dizia QUINTANA.



ATO VI – O BURACO NEGRO

Hoje ao escrever essas bobagens... Minha mente perguntava, em certa altura: mas qual será a TAL “cidadezinha” que Zé não queria contar, negando até mesmo que lá era o lugar em que nascera... Quais suas razões pra tanta mágoa? Olha que já vi esta história antes... com Noel Guarany assim foi...

Então como tudo isto é mera ficção, continuarei contando. (Bobagem ou realidade pura)



ADENTRANDO O BURACO NEGRO

Amanhã falei com a mãe de Zé, e me disse um pouco triste sobre a cidade dele... Pediu pra não divulgar o nome, pois lá ninguém se lembra dele...

Dona Rute murmurava em torta regência:

“Ah, lá continuam julgando o Zé... parece que falam mal dele, pois começou a cobrar muito caro pra tocar nos festivais.

Logo ele que foi sempre disposto a ajudar os outros se esquecendo de si mesmo. Zé RIBEIRO, o meu filho sempre teve cabelos compridos. No quartel mandou tatuar um CHE no braço esquerdo! Pois de tão ignorantes julgam seu cabelo dizendo: “é comunista!” Dizem que ele não merece estar em determinada posição social por parcelas de culpa dele mesmo, em fim! Mesmo que meu filho tenha comido o pão que o “diááabo” amassou para ser e saber o que sabe, formar-se em uma profissão com honras e méritos, passar dias, noites e anos se debruçando em estudos de arte, música e aquele violão, continuam achando que ele tem que trabalhar de graça. Tu já assistiu THE VILAGE? Não! Pois assista”.

E continuava:

“Zé nunca foi de tocar na noite por cachaça, mas parece que é o mínimo que alguns “contratantes” querem ou tem a oferecer: dignidade profissional não! Tal como sempre! Eita cidadezinha... Tal como Tal sempre foi!”



ATO VII – REALIDADE INVERSA

Depois de conversar “amanhã” com a mãe de Zé, voltei pra casa no ontem imaginando aquele indigno secretario, indigno perguntar “qual tua verdade Zé”?

Amanhã então decidi que hoje era hora de descansar, parar de escrever esse texto sem tempo, sem lógica ou muita razão, pois pode ser que alguém se incomode, apenas por que a redação existe pela mão do redator, esse renegado alguém que tantos gostariam que não existisse.

É complicado, mas como dizia Zé... “a palhaçada continua... tal governo, tal miséria” ninguém aguenta esses fascistas!

E assim, sem eira nem beira fico a pensar! Indago o que é a verdade, onde a mentira a escondeu? Conseguiu sair do poço. Pra não dizer mentira, em seguida, acredito que é bom finalizar este texto-drama, pois como se diz ao final dos filmes (principalmente os de comédia) "qualquer semelhança com a realidade, é mera ficção! (Ou não).

Portanto, encerramos, desejando sorte e “lux aeterna” ao caminho sofrido de Zé...

Salve! Salve-se, amigo Zé.




AUTOR: JAIR GONÇALVES



TAL cidadezinha, 19 de Novembro Amarelo de 2023!






[1] O cantor deve ser livre / Para desenvolver sua ciência Sem buscar convenções / Nem se alistar com padrinhos Desses caminhos sombrios / Eu já tenho a experiência

Eu canto, porque são canções antigas / que já são eternas E até parecem modernas /Então nelas nos escondemos Com a música que cobrimos / Para aquecer os invernos

Eu não canto para tiranos / Nem mesmo por ordem do patrão / O malandro e o trapalón / Deixe-os se contentar por conta própria / Com pagadores comprados / E cantores de salão. 
Trecho de (El Payador Perseguido - Atahualpa Yupanqui)